DEMOCRACIA E EUA

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A estranheza da democracia
Cristina Soreanu Pecequilo

Um dos termos mais utilizados na retórica da política internacional, ao lado de paz e guerra, é democracia. Traduzida e manipulada pelos mais diferentes interesses e grupos políticos, a palavra pode ser levada a extremos como ao justificar a invasão norte-americana ao Iraque em 2003 ou a Guerra Contra o Terror de 2001 do Afeganistão em 2001. Para os Estados Unidos (EUA), trata-se de motivação de uso corrente para legitimar intervenções externas para o seu público interno e que ultrapassa fronteiras.
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Mais uma vez, a democracia para o mundo árabe surgia de forma intercambiável, condicionada a interesses de segurança e preocupações geopolíticas dos EUA, e de seus aliados mais próximos como Israel. A visão ignorada de Khatami era revitalizada pela retórica da hegemonia, mas limitada pela realidade de poder que definia o que era democracia e qual o seu alcance: ou seja, a democracia que impede o acesso ao processo de grupos definidos como fundamentalistas pelos que estão no governo ou por ingerência externa. Em alguns, prática aceita como no Egito, Argélia e outros aliados, e em outros, criticada e deslegitimada (Irã, Autoridade Palestina, Líbano).

Obama nada mais fazia do que reafirmar a clássica política norte-americana de “tolerar o mal para alcançar o bem”, conforme definida pelo historiador John Lewis Gaddis (1998) quando, na Guerra Fria, os EUA optaram por apoiar ditadores e golpes contra governantes democraticamente eleitos em nome do combate ao comunismo. O mal continua sendo entendido como regimes autoritários, nos quais a democracia é permeável a interesses de preservação do status quo. O bem, a democracia, é o objetivo final, mas como um modelo fechado de soluções e regras que serão definidas pelo contexto e as necessidades de determinados grupos no poder. A Primavera, no caso, não era, e não seria, mais uma vez para todos.

Enquanto isso, no Egito, algumas palavras, além da democracia, tornaram-se chave: transição, paz e estabilidade, pregando a tolerância pouco exercida pelo regime anterior. Nas entrelinhas, uma democracia “comportada” e que não quebre os compromissos prévios principalmente no campo do processo de paz e que deixa em aberto a pergunta: o que fará a diplomacia norte-americana caso os resultados de futuras eleições no Egito tragam ao poder grupos considerados como pouco confiáveis?
Neste caminho, devemos nos perguntar por que algo que aparece com tanta freqüência no senso comum e nos discursos, como “a democracia”, causa tanto desconforto quando associada às demandas por maior participação política de correntes definidas como “diferentes” e “preocupantes”, da Irmandade Muçulmana egípcia, ao socialismo de Chavéz ou mesmo as políticas de inclusão social aqui no Brasil. Afinal, é nesta suposta estranheza da democracia que reside seu valor, princípio e promessa.

(*) Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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